O aborto e a ameaça à
soberania nacional (Parte II)
Análise do professor Ivanaldo Santos, autor do
livro "Aborto: discursos filosóficos"
Por Ivanaldo Santos
A prática do aborto é uma forma severa e radical
de eliminar a liberdade de um ser humano. A questão é simples: só é possível se
pensar em democracia, em liberdade e em outros valores fundamentais do Ocidente
se, a princípio, o indivíduo tiver nascido. Sem o nascimento toda e qualquer
outra ação referente a vida humana é simplesmente impossível.
Apesar disso sua prática vem crescendo na
sociedade Ocidental. Não há registros oficiais sobre quantos abortos foram
realizados no Ocidente no século XX, no entanto, apenas para se ter uma
dimensão do volume de abortos que foram e são realizados no mundo, nos EUA,
desde que o aborto foi legalizado, em 1973, foram realizados 54 milhões de
abortos[1].
Trata-se de um número espantoso. Muitos países do mundo, como, por exemplo,
Portugal e Argentina, não possuem uma população de 54 milhões de cidadãos, mas
nos EUA foi morta, por meio do aborto, essa gigantesca quantidade de
indivíduos.
Na contramão dos direitos humanos, o crescimento
da prática abortiva é incentivada por governos ao redor do mundo, especialmente
os governos das grandes potências econômicas e militares ocidentais (EUA,
Inglaterra, França, Japão, etc), por fundações privadas multimilionárias, que
gastam grande parte dos seus vultosos recursos financeiras para incentivar e
patrocinar a prática abortiva, por Organizações Não Governamentais (ONGs), por
grupos de feministas, pela grande mídia, por astros do cinema e da TV e até
mesmo por setores ligados a Igreja, que se auto intitulam de libertários,
progressistas e modernos[2].
No Brasil, por exemplo, existe ampla difusão do
aborto. Neste país o aborto é apresentado como um ato de liberdade, de
esclarecimento, de rebeldia e até mesmo como um direito das mulheres. Só para
se ter uma pequena dimensão de como o aborto é incentivado no Brasil, a atual
presidente da república, a Sra. Dilma Rousseff[3], antes de tomar posse no cargo, comparou o
feto a um dente e, com isso, tentou justificar a prática do aborto. Já a líder
feminista e pró-aborto, Eleonora Menicucci[4], que atualmente é a titular da Secretaria
de Políticas para as Mulheres, mais conhecida como Ministério das Mulheres,
chegou a comparar a gravidez a uma doença infectocontagiosa e, com isso, também
tentou justificar o aborto.
continua...
[1] 54 MILHÕES DE ABORTOS NOS EUA. In: Lançar as
Redes. Disponível em http://lancarasredes.blogspot.com/2012/02/54-milhoes-de-abortos-nos-eua.html. Acessado em 03/03/2012. DOM GOMÉS PRESIDE MISSA POR 54 MILHÕES DE
BEBÊS MORTOS PELO ABORTO NOS EUA. In: ACI Digital. Disponível em http://www.acidigital.com/noticia.php?id=23079. Acessado em 03/03/2010.
[2] Com relação à defesa do aborto realizada por
líderes e fiéis pertencentes a Igreja Católica, ligados especialmente a
Teologia da Libertação, conhecida pela sigla TL, recomenda-se consultar:
SANTOS, Ivanaldo. A teologia da libertação e o aborto. In: SANTOS, I. Teologia
da libertação: ensaios e reflexões. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010, p.
165-193.
[3] Nas palavras de Dilma Rousseff: “Não é uma
questão se eu sou contra ou a favor, é o que eu acho que tem que ser feito. Não
acredito que mulher alguma queira abortar. Não acho que ninguém quer
arrancar um dente, e ninguém tampouco quer tirar a vida de dentro de si”. REINALDO,
A. Dilma “a católica”, compara o aborto a arrancar um dente. In: Blog do
Reinaldo Azevedo, 14/05/2010. Disponível em http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/dilma-a-catolica-compara-o-aborto-a-arrancar-um-dente/. Acessado em 02/03/2012.
[4] Nas palavras de Eleonora Menicucci: “[O aborto]
não é uma questão ideológica, é uma questão de saúde pública, como o crack e
outras drogas, a dengue, o HIV e todas as doenças infectocontagiosas”. ELEONORA
MENICUCCI DIZ QUE ABORTO É QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA. In: DCI digital.
Disponível em http://www.dci.com.br/Eleonora-Menicucci-diz-que-aborto-e-questao-de-saude-publica-5-409642.html. Acessado em 02/03/2012.
[5] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Safe abortion:
technical and policy guidance for health systems. 2nd ed. Washington:
EUA, 2012.
Ivanaldo Santos é filósofo
e professor do departamento de filosofia e da Pós-Graduação em Letras (PPGL) da
UERN. Livros publicados: Nietzsche: discurso introdutória (Editora Ideia,
2007), Aborto: discursos filosóficos (Editora, Ideia, 2008).
ivanaldosantos@yahoo.com.br.
Foi um erro grave a postura
tomada pelo Conselho Federal de Medicina
Entrevista com especialista em bioética, Pe.
Helio Luciano
Por Thácio Lincon Soares de
Siqueira
BRASíLIA, 01 de Abril de 2013 (Zenit.org) - O Conselho Federal de
Medicina, órgão que representa os mais de 400 mil médicos brasileiros, em nota
do dia 21 de março (pode ser lida clicando aqui)
posicionou-se a favor da “liberdade e autonomia da mulher”, ou seja, do aborto.
“Para chegar a esse posicionamento, os Conselhos
de Medicina se debruçaram sobre o tema durante vários meses”, afirma a nota,
dizendo que diversos segmentos foram ouvidos e analisados vários “estudos e
contribuições”. E, por fim que “Representantes de grupos religiosos também
foram chamados a colaborar, apresentando seu ponto de vista”.
“Por que não foi
chamado ninguém do movimento “Brasil sem aborto”,
entidade supraconfessional que representa a maioria dos segmentos sociais
contrários ao aborto? Por que não foi consultada a Comissão Família e Vida
da CNBB, que representa a Igreja no Brasil nesta temática?”, se pergunta –
em entrevista à ZENIT - Pe. Hélio Luciano, especialista em bioética e membro da
comissão de bioética da CNBB. E responde: “Será que estas pessoas e
instituições poderiam ter argumentos fortes contra o aborto, que deslocaria a
decisão dos membros do CFM em uma posição contrária ao mesmo?”.
Nesse posicionamento explora-se amplamente o
princípio da “autonomia da mulher”, afirmou Pe. Hélio, mas “De nenhum modo
negamos tal princípio, importantíssimo e uma grande conquista das últimas
décadas. O problema é passar de uma autonomia a um autonomismo,
no qual a liberdade real de um indivíduo deveria ser considerada sobre a
liberdade dos demais.
Acompanhemos a entrevista que Pe. Hélio concedeu
a ZENIT:
ZENIT: O Conselho Federal
de Medicina tomou uma decisão correta, eticamente falando?
Pe. Hélio: Há algumas semanas, antes da última reunião do CFM em Belém - reunião
que decidiu pelo apoio à defesa do aborto em qualquer situação até a décima
segunda semana de gestação – tivemos acesso ao documento composto por uma
equipe de trabalho do CFM. Tal documento apresenta-se como imparcial, mas a
parcialidade em relação à defesa do aborto é bastante aberta em toda a parte
geral do texto, deixando apenas, no final, um pequeno documento de alguém
contrário ao aborto.
O mais surpreendente, sob o nosso prisma, é que
o tema é tratado a partir de uma contraposição entre a fé e a razão, ou seja, o
aborto é defendido a partir de uma postura racional, com argumentos e dados
científicos, enquanto a posição contrária ao aborto é colocada como uma posição
meramente baseada na religião. Aqui não entramos no mérito da fiabilidade dos
dados fornecidos – apesar das cifras de mulheres que morrem anualmente em
decorrência do aborto, segundo os números citados, serem superiores ao número
de mulheres em idade fértil que morrem por ano (contando todas as causas de
morte) – mas na falta de dados científicos e racionais para contrapor o aborto.
É fato que a partir da concepção temos um organismo humano, com DNA humano,
diferente daquele dos seus pais e pertencente à espécie homo sapiens sapiens.
Este novo ser humano tem capacidade de desenvolver-se como um organismo
individual, sem nenhuma solução de continuidade no seu desenvolvimento
orgânico, que poderá durar mais de cem anos. Colocar que o início da atividade
orgânica deste novo indivíduo está na formação de alguma estrutura específica é
desconhecer a embriologia humana e perigosa, pois torna-se sempre aleatória -
na Europa já começa a defender-se o infanticídio por uma coerência com a
postura abortista (a argumentação seria "se a capacidade de ser humano se
alcança, por que deveríamos afirmar que a criança recém nascida já alcançou
esta capacidade?").
O princípio da autonomia da mulher foi o
principal argumento apresentado para a defesa do aborto. De nenhum modo negamos
tal princípio, importantíssimo e uma grande conquista das últimas décadas. O
problema é passar de uma autonomia a um autonomismo, no qual a
liberdade real de um indivíduo deveria ser considerada sobre a liberdade dos
demais. A autonomia do ser humano presente no ventre da mãe também deve
ser considerada. Ainda que tal autonomia não possa ser exercida por ele
mesmo, deve ser defendida - o próprio nascimento do Direito foi exatamente para
defender aqueles que não poderiam fazer por si mesmos. Os dois valores em jogo
– liberdade da mãe e vida do filho – devem ser colocados na balança e deve-se
respeitar aquele com maior peso. Considerando que a liberdade é um valor que
depende da vida, parece claro que o respeito à vida deste ser humano deve ser
superior ao respeito da liberdade da mulher.
Considerando tudo que foi dito até o momento,
podemos dizer que foi um erro grave a postura tomada pelo Conselho Federal de
Medicina. Repito que foi um erro não só do ponto de vista moral-religioso, mas
também de um ponto de vista ético-racional, desrespeitando o próprio ser
humano.
ZENIT: Estar de acordo com
a liberdade da mulher, de resolver ou não abortar, é o mesmo que apoiar o
aborto?
Pe. Hélio: O que está em jogo aqui não é estar de acordo com a liberdade de
ninguém - toda pessoa de bom senso está de acordo com a liberdade dos demais.
Porém, é necessário entender que a liberdade tem limite e que atos que não
respeitem estes limites não são atos livres, mas violência contra outro ser.
Deste modo o ladrão quando rouba não está exercendo propriamente a sua
liberdade, mas está agredindo um terceiro.
Sendo assim, estar de acordo com um ato de
violência implica também uma culpa. E a culpa será maior quanto maior a
responsabilidade da pessoa ou instituição que expressa a sua opinião. No caso
do aborto, entendemos que a maioria das mulheres se encontra em uma situação
delicada que não encontram outra saída - ainda que sempre exista. Essas
mulheres, devido à gravidade de cada situação, podem ter a culpa diminuída.
Pelo contrário, as instituições como o Conselho
Federal de Medicina (nas pessoas que o representam), terão uma culpabilidade
grande se, pelo seu posicionamento em relação ao aborto, este procedimento for
aprovado no Brasil. Neste posicionamento não estão envolvidas questões
sentimentais e econômicas graves – que poderiam diminuir sua culpabilidade –
mas está envolvida a simples ideologia e o desconhecimento do valor da vida
humana, colocado debaixo de um pretenso ato de liberdade.
ZENIT: O CFM chama em si o
direito da democracia, de que cada um tenha a sua própria opinião, e a possa
expressar.
Pe. Hélio: Nos últimos anos estamos vivendo o que o Beato João Paulo II e o Papa
Bento XVI chamavam de “ditadura do relativismo”. Somos todos obrigados a não
ter opinião própria, mas considerar que todas as opiniões possuem igual
conteúdo de verdade. Tal posição, além de excluir e acusar de fundamentalismo
todas as posturas que defendam uma verdade – de modo especial a Igreja – é em
si mesma falha e contraditória: se todas as afirmações são relativas, o próprio
relativismo é relativo. Se colocarmos um exemplo, talvez possamos entender
melhor: uma cadeira é sempre uma cadeira. Podemos encontrar diversas verdades
sobre a cadeira – que tem “pés”, que tem um lugar para sentar, que serve para
descansar – mas nenhuma dessas verdades pode ser contraditória com outra,
senão, por questão de lógica, alguma dessas verdades (ou todas) seria falsam.
Do mesmo modo podemos ter várias considerações
em relação ao aborto – quais sejam, do ponto de vista sociológico,
epidemiológico, moral, ético, religioso, etc. – porém, nenhuma das mesmas pode
ser contraditória entre si. Se dissermos que um embrião é um ser humano e que
todo ser humano inocente tem direito à vida, não podemos simplesmente nos
contradizer aceitando também uma verdade que a autonomia da mãe tem
direito sobre a vida do seu filho.
Mas estas argumentações racionais, atualmente,
são diluídas e esvaziadas com a alegação de que são argumentação religiosa.
Não importa o grau de racionalidade das mesmas – se vem de alguém que tem fé,
simplesmente não é mais uma das tantas “verdades” válidas. A democracia
amplamente defendida pela sociedade atual é válida somente para alguns – as
pessoas com fé não tem direito a participar da mesma, ainda que seus argumentos
sejam racionais.
ZENIT: O CFM não terá
passado por cima do conceito de democracia ao tomar uma posição sem respeitar
realmente a opinião dos médicos que ele representa?
Pe. Hélio: Defender a violação da vida de um ser inocente é muito mais que passar
por cima da democracia. Um simples documento de trabalho feito por poucas
pessoas e discutido em um congresso com membros dos Conselhos Regionais de
Medicina não pode ser decisivo para questões tão complexas como o aborto.
O ideal seria uma ampla consulta aos médicos – a
quem o Conselho representa – para saber a opinião dos mesmos.
ZENIT: Diz a nota do CFM
que foi consultado uma ampla parte da sociedade, até mesmo os setores religiosos,
mas parece ser que isso não foi feito, porque a notícia pegou a todos de
surpresa. A mesma CNBB, por meio de Dom Petrini, lançou uma nota
de repúdio a essa decisão do CFM.
Pe. Hélio: Quando tratamos questões sérias, como é o caso do aborto, temos o dever
de fazer uma consulta a todos os setores da sociedade, como o CFM afirmou ter
feito. Não se pode dizer que esta consulta foi feita simplesmente porque
falamos com algumas pessoas (sem considerar que as pessoas procuradas, em sua
maioria eram favoráveis ao aborto). O fato de terem colocado no documento de
trabalho um texto contrário ao aborto – sendo que todo o demais eram favoráveis
a esta prática – e terem chamado um sacerdote para falar ao público, não
implica uma ampla consulta àqueles que são contrários ao aborto e nem uma
consulta real à Igreja.
Por que não foi chamado ninguém do movimento
“Brasil sem aborto”, entidade supraconfessional que representa a maioria dos
segmentos sociais contrários ao aborto? Por que não foi consultada a Comissão
Família e Vida da CNBB, que representa a Igreja no Brasil nesta temática? Será
que estas pessoas e instituições poderiam ter argumentos fortes contra o
aborto, que deslocaria a decisão dos membros do CFM em uma posição contrária ao
mesmo?
Quando se quer aprovar alguma postura de forma
arbitrária, não se faz consulta ampla à sociedade e a seus diversos segmentos –
dos quais a Igreja é um deles – mas simplesmente se tenta maquiar aquilo que já
tinha sido decidido com tintas de democracia.
Esperamos que o Conselho Federal de Medicina, na
seriedade e competência que sempre o caracterizou, possa voltar atrás na sua
decisão e abrir de fato o diálogo amplo com a sociedade, com os médicos que
representa, e também com os setores favoráveis e contrários ao aborto. Deste
diálogo poderemos todos sair mais maduros e com uma decisão que de fato
represente o respeito à vida – os médicos foram chamados para cuidar da vida e
não para suprimi-la.
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