Porquê ateu?
Há quem julgue que ser ateu é não acreditar em deuses, mas isso pouco importa. Há tantos deuses que é praticamente o mesmo rejeitar todos ou rejeitar todos menos um. Também não é preciso ser ateu para criticar religiões. Qualquer crente pode condenar o tratamento das mulheres pelo Islão, o negócio da Maná e da Cientologia ou a proibição de contraceptivos pela Igreja Católica. Basta que a religião que criticam não seja a sua. E com tantas religiões o crente pode criticar quase as mesmas que o ateu. O que me faz ser ateu não é rejeitar mil e um disparates em vez de apenas mil. O que me faz ateu é ver tanto mérito numa fé como noutra qualquer. Mas é melhor explicar o que quero dizer com “fé”.
Fé não é certeza. Certeza é a confiança total que algo é verdade. Eu tenho certeza que não há tigres aqui em casa, pelo que nem me preocupa essa possibilidade. Se tivesse uma pontinha de dúvida que fosse já ficava apavorado. Fé é querer ter certeza de algo cuja certeza não se justifica, e muitas vezes fica-se pelo querer. A maioria dos que têm fé no paraíso teme a morte como quaisquer outros. Querem a certeza mas a certeza não vem só porque se quer. Mais importante, quando não há razão para ter certezas não é melhor querer uma que querer outra qualquer.
Daqui o ateísmo é inevitável. Se tenho que rejeitar, pelo menos, todas as fés menos uma, e se todas são igualmente merecedoras da minha consideração, então não há razão para ficar com a última. Vai para onde vão as outras. Tenho certezas e incertezas de acordo com o que sei, e até me posso enganar. Mas em caso algum me dá para querer uma certeza se não há razões para isso. Não me dá para ter fé.
Uma consequência engraçada é que isto não é acerca da existência de deuses. Tenho certeza que não há disso, uma certeza ainda maior que a certeza de não ter tigres cá em casa. Mas o meu ateísmo é rejeitar a fé em deuses e, mesmo que existissem, os deuses seriam apenas mais uma de muitas coisas que não controlo. As estrelas brilham, a entropia aumenta e em cada par de peúgas há uma que desaparece. É verdade, é inevitável, mas não tem nada com a fé. Se existirem deuses, paciência. Não vou ter mais fé por causa disso.
Uma consequência menos engraçada é ser um ateísmo incómodo. Não me calo, porque me parece que só pode ter fé quem achar que a fé que tem é melhor que a fé dos outros. Se não pensasse assim não tinha fé nenhuma. Era ateu. E preocupa-me que tanta gente ande convencida que a sua certeza injustificada, precisamente por ser injustificada, é melhor e mais desejável que as certezas injustificadas dos outros. Isto volta e meia dá asneira.
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